18 de dezembro de 2009

Jefferson Henrique

Literatura Brasileira e Africana: um diálogo entre duas culturas


A Terceira Margem do Rio
(Milton Nascimento)


Oco de pau que diz: eu sou madeira, beira

Boa, dá vau, triztriz, risca certeira

Meio a meio o rio ri, silencioso, sério

Nosso pai não diz, diz: risca terceira

Água da palavra, água calada, pura

Água da palavra, água de rosa dura

Proa da palavra, duro silêncio, nosso pai,

Margem da palavra entre as escuras duas

Margens da palavra, clareira, luz madura

Rosa da palavra, puro silêncio, nosso pai

Meio a meio o rio ri por entre as árvores da vida

O rio riu, ri por sob a risca da canoa

O rio riu, ri o que ninguém jamais olvida

Ouvi, ouvi, ouvi a voz das águas

Asa da palavra, asa parada agora Casa da palavra, onde o silêncio mora

Brasa da palavra, a hora clara, nosso pai

Hora da palavra, quando não se diz nada

Fora da palavra, quando mais dentro aflora

Tora da palavra, rio, pau enorme, nosso pai.

(Fonte: letras.terra.com.br/milton-nascimento)



Assista também: http://www.youtube.com/watch?v=OV_fZiTCpb8


A Terceira Margem do Rio trata-se de uma releitura do conto de Guimarães Rosa, que também recebe este nome, e retrata a vida de um pai que manda construir uma canoa e quando esta está pronta rema até o meio do lago, a fim de viver uma busca espiritual. Conforme o tempo passa, os familiares vão se dispersando ao ver que ele não desiste de sua busca. Contudo, um de seus filhos pede para que seu pai retorne, pois ele continuará a sua, porém com certo receio ele não dá continuidade a busca de seu pai e nunca mais ninguém houve falar de seu pai.
Ao dissertar sobre Guimarães Rosa, Bosi, em História Concisa da Literatura Brasileira, afirma que suas histórias são de um pensamento mítico, pois são fábulas que velam e revelam o sentido, de uma forma global, da existência, aproximando-a do materialismo religioso, de forma a fundir-se com a realidade, a Natureza, o bem e o mal, o divino e o demoníaco, uno e o múltiplo.
O mitopoético, explorado por Guimarães Rosa, está apoiado nas vanguardas da narrativa contemporânea, ou seja, no trabalho entre os limites do real e do surreal, as dimensões do pré-consciente do ser humano. Esse aspecto é destacado, pelo fato do homem refugiado na canoa, estar, aparentemente, em permanência continua sobre o eterno fluir das águas, como se o tempo não existisse para ele, ou seja, o real para ele seria o tempo, a noção de morte, de que tudo na vida é passageiro, enquanto o surreal seria este dado de eternidade atingido no fluir eterno das águas.
A partir destes aspectos explorados por Guimarães Rosa, Mia Couto, um escritor africano, nascido em Moçambique e admirador do escritor brasileiro, vai explorar em seus diversos textos, características do texto de Guimarães, incluisive Nas águas do tempo. A esse respeito o escritor dirá:


"Brasil e Moçambique não apenas falam a mesma língua, mas sentem de forma semelhante o que não pode ser dito em nenhum idioma".


Já que a história se passa com um jovem e seu avô que passeam por um rio, até que na outra margem o avó nota lenços brancos acendando para ele, enquanto acenava com um lenço vermelho, contudo seu neto não compreende o ocorrido já que não percebe nada. Mais tarde, quando o neto retorna ao rio com seu filho, consegue enxergar os brancos que um dia seu avô pode ver.
Assim, como em A Terceira Margem do Rio, há uma busca espiritual pelas personagens, contudo, no conto de Mia Couto, o avô consegue concluir a sua busca e seu neto dá continuidade a ela, porém no conto de Guimarães Rosa esta busca não se concretiza, já que o projeto do pai é interrompido e seu filho, apesar da promessa, não dá continuidade a sua busca, o que nos remete ao dado de herança cultural que foi transmitida em Mia Couto , ao contrário do ocorrido com o conto de Guimarães.
Com isso, pode-se concluir que nos dois contos o rio marca uma espécie de fronteira entre a terra e o que seria eterno, e o que as personagens buscam e o desligamento do real para o surreal.

COM BASE NO QUE FOI DISCUTIDO ANTERIORMENTE RESPONDA AS QUESTÕES ABAIXO:

1) É possível afirmar que haja um certo dado de intertextualidade entre a música de Milton Nascimento, Guimarães Rosa e Mia Couto? Se possível, como se dá essa intertextualidade?
2) Ainda com base na discussão anterior, a que tipo de busca espiritual as personagens de Guimarães Rosa e Mia Couto estavam a procura? O rio foi capaz de auxiliar na busca dessas personagens? Caso julgue necessário, seria importante uma leitura mais aprofundada dos contos.
3) Em sua visão, por quê os autores escolheram o rio para que suas personagens vivessem essa busca espiritual, ao invés de outro ambiente da natureza, como por exemplo, a floresta, o campo?

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